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Os castelos são mágicos... É desta forma que José Aguiar abre o prefácio do livro de Luís Miguel Correia sobre os Castelos em Portugal. Efectivamente, estes edifícios fazem parte do nosso imaginário. Um imaginário que é construído a partir de memórias individuais – das quais nos fala José Aguiar –, mas também através da memória colectiva. Neste livro, o autor oferece-nos uma viagem pelos castelos portugueses, salientando o seu significado enquanto instrumentos de construção de memórias colectivas que traduzem sentimentos de identidade cultural e nacional. A viagem, que se inicia em meados do século XIV e termina na primeira metade do século XX, percorre o território português, na sua dimensão física, histórica e cultural.

Luís Miguel Correia é arquitecto e assistente no Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), onde actualmente desenvolve tese de doutoramento. A presente obra, séria e metódica, reflecte as suas qualidades científicas e profissionais. É o resultado de um trabalho de investigação que nasceu do encontro do autor, enquanto arquitecto, com esta tipologia arquitectónica, na sequência de diversas colaborações com os extintos Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) e Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), nomeadamente nos castelos de Leiria, Pombal e Castelo Novo. E culminou com a apresentação da dissertação, orientada por Mário Krüger, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Construção, do Departamento de Engenharia Civil da FCTUC, aqui publicada em forma de livro, na série Investigação da Imprensa da Universidade de Coimbra. 

Foi assim que, do projecto, nasceu a investigação. E à obra construída, reconhecida internacionalmente, junta-se agora a publicação do trabalho científico, de análise e de reflexão, que a acompanhou, a ela se somando um conjunto de outros trabalhos relacionados com esta temática, que o autor tem já editados. 

O livro inicia-se com um prefácio de José Aguiar, docente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e presidente do ICOMOS-Portugal, ao que se seguem os agradecimentos do autor e a introdução. Esta contém, para além da justificação do tema e das razões da sua escolha, a identificação do objectivo deste estudo sobre os castelos portugueses: “confrontar entre si [...] o perfil arquitectónico produzido no século XX [...] e aquele que poderia ter sido o seu ‘semelhante’ no século XVI” (p. 22). Neste texto inicial, encontramos, ainda, a descrição do conteúdo do trabalho, com a explicação da forma e dos critérios que orientaram a sua organização. 

A estrutura principal do livro desenvolve-se em dois capítulos, que representam os dois momentos em análise. Ou seja, o “antes e o “depois das intervenções da DGEMN, como o próprio autor refere. O primeiro trata de caracterizar e analisar “aquilo que foi” a presença dos castelos na definição da imagem do território entre 1350 e 1450 (p. 29-133). O autor começa por identificar os diversos tipos de castelos existentes em Portugal, depois debruça-se sobre a análise do importante papel que estes desempenharam enquanto elementos de construção do território nacional, e termina com a leitura do seu “perfil arquitectónico” nos finais da Idade Média. O segundo capítulo é dedicado “àquilo que se desejou ser” a presença do castelo na paisagem portuguesa no contexto ideológico do Estado Novo (p. 135-418), facto que produziu uma redefinição da sua imagem e consequentemente do espaço físico e simbólico que a suporta. Aqui, o autor estabelece três fases de análise. Partindo de uma contextualização disciplinar, onde relaciona os “castelos e a valorização do património arquitectónico”, entra depois no enquadramento social e político, analisando os “castelos na ideologia do Estado Novo”. E encerra com a interpretação das relações existentes entre os critérios e metodologias que orientaram as intervenções realizadas nestas estruturas militares e as políticas patrimoniais definidas pelo plano ideológico do regime em vigor.

O livro termina com um epílogo, onde Luís Miguel Correia retoma a descrição do trabalho para, sustentado pela análise pormenorizada das intervenções de conservação e restauro de que foram alvo os castelos portugueses, reafirmar que estas “intencional e veementemente veicularam mensagens de propaganda política, ao pretender transformá-los em transmissores genuínos dos desígnios ideológicos nacionalistas que presidiram ao regime político vigente”. 

A publicação é acompanhada de um CD-
-ROM, onde se apresenta um conjunto de gráficos, mapas, quadros e imagens, graficamente bastante cuidadas, que suportaram o trabalho de investigação e auxiliam a sua leitura.

Da metodologia de estudo de objectos arquitectónicos de valor cultural utilizada pelo autor, e aplicada neste caso à arquitectura militar, importa ressaltar dois aspectos. O primeiro, a ideia do conjunto, assente numa abordagem que não se limita a efectuar uma leitura individualizada dos vários exemplares, mas que, pelo contrário, os relaciona, compara, afere semelhanças e diferenças, que os agrupa ou destaca, enfim, que os lê como um todo, e que assim lhes acrescenta novos valores. O segundo aspecto diz respeito ao entendimento da sua dimensão territorial. Talvez óbvia no caso da arquitectura militar, mas que noutros patrimónios edificados, não sendo tão evidente, é também essencial. No campo do património cultural, a perspectiva territorial é hoje, mais que nunca, incontornável, quer no desenrolar da investigação, quer nas acções de protecção, quer, ainda, na intervenção. Luís Miguel Correia, na sua abrangente abordagem enquanto arquitecto e investigador, olha os castelos desde esta perspectiva.

Trata-se, efectivamente, de um trabalho de referência a juntar às pioneiras obras de Margarida Acciaiuoli, Maria João Neto, Miguel Tomé e Domingos Almeida Bucho, e à crescente bibliografia que, mais recentemente, tem surgido sobre a obra arquitectónica e urbanística do Estado Novo. Este livro acrescenta um capítulo mais à história da conservação e restauro em Portugal, sendo, portanto, fundamental para quem se interessa por esta temática. E também para todos os que pretendem conhecer, investigar ou intervir no património arquitectónico, e em especial, nos castelos e nos lugares que estes ajudaram a construir.|


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